É um rafeiro, um cão de rua parece-me, esgravata eloquentemente um cantinho de relva.
Nunca cheguei a perceber o que tanto ali procura mas penso sobre isso.
Se calhar procura um salpico de amor, um mimo prometido e que nunca chega a horas, um sorriso de alegria por vê-lo chegar ou um pedaço de cumplicidade com alguém.
Onde ficou o amor por si? Onde está a pessoa prometida?
É uma mulher. Uma mulher marcada pelas rugas do tempo, uma mulher que para andar precisa de uma cadeira de rodas, uma mulher que ele insiste cuidar como se não houvesse amanhã.
A caminho de casa perdida em devaneios meus, dou por mim a ser espectadora de um dos mais lindos momentos a que já assisti.
Aquela mulher e aquele cão juntos numa paragem de autocarro esperando que o mesmo chegasse. E chegou mas nunca mais se via abrir a rampa que faria a mulher conseguir entrar no mesmo, então o cão ladrou.
Ladrou e voltou a ladrar, correu para a frente e para trás deu mais do que um sinal de que algo não estava bem.
Ainda hoje consigo ouvir aquele ladrar, ainda hoje consigo ver a expressão de aflição que mostrava nos olhos, ainda hoje vejo o desespero com que corria desalmadamente enquanto aquela mulher não entrou no autocarro. Um sinal de amor. E quando finalmente conseguiu este também o fez enfiando-se por baixo da sua cadeira de rodas quase que pedindo que não o tirassem dali. Mas esta viagem não ficou por ai. Á saída um sinal de amor. Abriram-se as portas deste autocarro e o cão que já sabia o seu destino aprontou-se a sair, eis quando se depara com a falta de espaço existente para que a mulher pudesse sair também. Desata a ladrar novamente. Não havia espaço para a colocação da rampa isto porque um carro estava estacionado na paragem.
O cão ladrou incansavelmente, desatou a correr querendo mostrar que ainda não havia saído sua dona.
Ladrou tanto mais alto quanto pôde, quase que em suplicio. E quando se viu sair aquela mulher, viu-se também sorrirem os olhos daquele cão.
Um sinal de amor.
Cheguei a casa cheia daquele momento e hoje escrevo-vos isto não com um cão mas com um gato ao meu lado, um sinal de amor.
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